Luzes refletem no alcatrão o cansaço da noite. A vida é tão mais fácil no banco de trás. Encostar a cabeça no vidro. O carro está cheio daquele silêncio acolhedor que só amigos adormecidos conseguem dar. A música começa.
E provavelmente vais matá-la. O que para alguns pode ser a melhor prenda para o dia do Filho.
E se no final da primeira faixa (Destroying Angel) ela ainda estiver viva, então orgulhem-se.
Porque se a vossa mãe conseguiu sobreviver aquela dose de dor, pus, sangue e morte, merece viver para ouvir o resto do álbum.
E falar da droga é cliché. É. Mas o ouvinte cauteloso vai certamente encontrar uma nova medida para a pesar, embalar e comercializar. Essa medida é o camião. Os Bardo Pond transportam nas suas veias um camiãozinho cheio de LSD e nós absorvemo-lo como uma transfusão sanguínea pelos tímpanos. E as nossas santas mãezinhas também.
Se a distorção da guitarra é capaz de fazer o vosso primo afastado que mora na Austrália trepar às paredes como um Yorkshire Terrier com medo de morrer quando passam este álbum no vosso estéreo, talvez as vozes e os ecos o façam rebuscar nos confins mais profundos da sua massa cinzenta que a construção civil não é sítio para quem pinta as unhas.
Mais informo que a cover dos Beatles, Cry Baby Cry, vem só confirmar de forma veemente que este álbum é efectivamente dedicado à nossa mãe.
Os Bardo Pond não conseguem vir à Europa porque a alfândega americana é muito rígida. Se tocarem no aeroporto para fazer render o bilhete do avião, talvez muita gente enlouqueça e os besouros de metal sosseguem uma vez na vida.
Quem ouve música nos dias que correm (toda a gente e não gente) tem muito por onde escolher, mas quando a oferta/esmola é grande, o pobre desconfia. E hoje todos nós somos pobres, almejamos um futuro melhor enquanto pessoas tentam com que lhes seja realizada uma felação por motivos de ordem superior.
Somos pobres, o mercado (lota) da música torna-se ainda mais maior grande a cada milissegundo que passa, portanto não é preciso ser doutorado para deduzir que iremos desconfiar.
Então vamos para escolhas catalogadas como "Queres algo simples que até soa bem? Então ouve isto!".
The Jimi Hendrix Experience, juntamente com Cream e provavelmente umas doses de LSD popularizaram o conceito de banda Power Trio (três pessoas, três instrumentos, três não sei quê) e vêm de lá uns gajos em 2004, a dizer, "Nos fazemos música simples, com guitarradas, tipo banda de garagem. É porreiro, oiçam, 'comprem'!"
Awsome Color, já aqui foram falados, mas no ano passado lançaram um terceiro álbum ao qual eu tiro o chapéu, aliás, tiraria se usasse.
Mas depois veio o rap e o melhor contador de estórias continua a ser o Johnny.
Quinta-feira, à mesa, alguém vasculha as músicas e diz
Este som é tão bom, pá.
Sexta, a subir escadas, oiço-a pela primeira vez. Fixo uma parte em específico que me faz sorrir.
Nesse dia, às tantas da noite, numa disco com o melhor som de sempre naquela noite em específico, a música começa. Pela segunda vez na minha vida, oiço-a. Ao meu lado, a pessoa que me tinha falado na música também thumbs up'ava o DJ.